Em nota, o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) “informa que recebeu o convite e não participará do Grupo de Trabalho sobre Plano de Saúde AcessÃvel”.
O grupo foi proposto pelo Ministério da Saúde, em portaria publicada no Diário Oficial. Segundo a pasta, seria um modelo mais econômico e com cobertura limitada, o que poderia diminuir as filas no Sistema Único de Saúde (SUS).
O Idec considera inconstitucional e ilegal a proposta de Plano de Saúde AcessÃvel, além de ser tecnicamente equivocada e ineficaz para cumprir o objetivo de reduzir os gastos estatais com o SUS.
O Instituto enviou carta para o Ministério recusando o convite e solicitando a revogação da Portaria nº 1.482, de 4 de agosto de 2016, e a consequente extinção do Grupo de Trabalho instituÃdo por meio dela.
Na nota, o Idec “ratifica opinião já expressa, colocando-se contrário à criação de planos de saúde ‘populares’, agora denominados ‘acessÃveis’, com custos menores e cobertura inferior à definida pela atual legislação. “À luz dos Direitos do Consumidor, os planos acessÃveis representam um enorme retrocesso. Remetem a perÃodos em que o cenário brasileiro era de desregulamentação e descontrole do setor, com a falta de garantia de cobertura de todas as doenças listadas pela Organização Mundial de Saúde e de a existência de coberturas mÃnimas obrigatórias da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS)”, enfatiza Elici Maria Checchin Bueno, coordenadora-executiva do Idec.
Já o Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp) questionar a proposta do Ministério sobre a mudança na legislação, visando à criação de planos populares.
“Defendemos a revogação da Portaria 1.482, de 04/08/2016, do Ministério da Saúde, que criou o Grupo de Trabalho para discutir a criação de um ‘plano de saúde acessÃvel’. Tal Grupo de Trabalho, integrado inicialmente apenas por representantes de empresas operadoras de planos de saúde e do governo, nem deve existir, independente de sua composição. Consideramos que a proposta de ‘planos acessÃveis’ é ilegal, não tem qualquer fundamento técnico e poderá trazer prejuÃzos a pacientes e médicos. Alertamos à sociedade e aos médicos sobre os riscos dessa proposta: temos o dever ético e moral de defender a sociedade de um projeto que visa a ‘desonerar o SUS’ à custa de onerar mais o cidadão que, com grandes sacrifÃcios, busca proteger a sua famÃlia; muitas especialidades médicas poderão ficar de fora dos ‘planos acessÃveis’, limitando o âmbito de cuidados aos pacientes; nos ‘planos acessÃveis’, muitos exames e procedimentos médicos tendem a ser excluÃdos, limitados ou glosados, acarretando conflitos que poderão afetar a relação médico-paciente. O médico perderá sua autonomia para diagnóstico e tratamento, em clara afronta ao Código de Ética Médica, que afirma que ‘o médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho’; os valores de honorários médicos tendem a ser mais rebaixados, pois ‘planos acessÃveis’ serão incompatÃveis com honorários dignos e assistência de qualidade. Devido à diminuição dos serviços contratados pelos usuários de ‘planos acessÃveis’, os médicos terão que assinar outro tipo de contrato com as empresas de planos de saúde, diferente das regras de contratualização vigentes (RN/ANS-363/2014 – Art. 4º – Inciso I), que preveem como objeto do contrato o tipo de serviços médico-assistenciais prestados e os critérios de reajustes dos honorários; e haverá, assim, retrocesso de mais de duas décadas, quando não existia a legislação dos planos de saúde, que passou a exigir cobertura de todas as doenças e existência do Rol de Procedimentos Médicos da Agência Nacional de Saúde Suplementar. É fundamental o desaparelhamento da ANS dos interesses privados e lesivos ao interesse público.”
Por fim, o Cremesp “conclama as demais entidades médicas e da saúde coletiva, grupos de pacientes e de defesa do consumidor para que nos juntemos em um movimento que exija forte regulação da saúde suplementar e intensifique a defesa do SUS contra sua expropriação pelos planos de saúde, que frequentemente utilizam-se de sua estrutura e não lhe ressarcem os custos. Pela defesa do artigo 196 da Constituição Federal, que dispõe ‘a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante polÃticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação’, bem como pela proteção da Lei 9.656/98, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde.”
Entidades como a Associação Paulista de Medicina (APM) veem o projeto com preocupação. “É temerário o andamento dessa discussão, porque já tivemos modelos semelhantes no passado e foi extremamente prejudicial para os pacientes”, argumenta o presidente da APM, Florisval Meinão, ao relembrar como se estabeleciam os critérios de coberturas antes da Lei 9.656/98, quando não havia formas de controle dos planos, com o prevalecimento do poder de mercado econômico sobre os usuários.
“É uma surpresa desagradável ver a formação de um grupo sem a participação das entidades médicas”, afirma Marun David Cury, diretor adjunto de Defesa Profissional da APM.
Na mesma perspectiva, Marcos Pimenta, assessor da Diretoria da APM, ressalta a não transparência na elaboração do projeto, que restringiu a participação de apenas três entidades para discutir a definição do modelo alternativo – Ministério da Saúde, ANS e Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais (CNSeg).
“Seria importante ampliar esse grupo, envolvendo representantes médicos, outros prestadores e hospitais. Não está havendo transparência na elaboração de um formato que poderá existir. O Governo alega que é um estudo preliminar, mas desse debate restrito pode se efetivar a proposta”, critica Pimenta.
Maria Inês Dolci, coordenadora institucional da Proteste – Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, também se diz aflita com o andamento da proposta.
“É preocupante porque não é admissÃvel que o consumidor perca a cobertura mÃnima obrigatória que foi conquista com a Lei 9656 a partir de 1998. Vai na contramão do que a ANS tem feito”, pondera.
Em reunião realizada em 16 de julho na Associação Médica Brasileira, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, afirmou que a cobertura menor diminuirá gastos do Governo com o Sistema Único de Saúde, gerando um acréscimo de R$ 20 bilhões para a Saúde.
Mas, para o presidente da APM, a proposta só garante atendimento básico, “as questões complexas e onerosas serão encaminhadas para o SUS”. Maria Inês concorda: “o consumidor se obrigará a enfrentar as filas demoradas do SUS para esses casos especÃficos”.
FONTE MONITOR MERCANTIL