Chega uma mensagem no celular. Ela é colorida, repleta de emojis, cada tópico é destacado por um Ãcone: “evite o uso de sutiã preto no verão”, “não aplique desodorante antes de dormir”, entre outras supostas recomendações de como evitar o câncer de mama.
Misturar bicarbonato com com limão, encharcar a salada com vinagre de maçã, ou engolir uma pÃlula mágica para evitar e/ou tratar todos os tipos de câncer —as fake news sobre o tema parecem não ter fim, assim como a criatividade de quem redige e espalha as novidades de mentira.
“A gente sabe que a circulação dessas mensagens é rápida. E quem as envia geralmente é algum amigo ou parente —por que essa pessoa iria sabidamente me mandar uma informação mentirosa?”, questiona Maria Paula Bandeira, 31.
Ela é uma das participantes de um projeto da ONG Instituto Oncoguia, que praticamente declarou guerra às fake news oncológicas ao formar uma rede de “causadores”.
“Muitas vezes o canal ou blog de um paciente cresce, de modo a exercer influência e a ajudar outros que passam pelo mesmo problema. Esse paciente se torna um ativista, e é aà que ele tem que se atentar em pontos que antes não o preocupavam. Será que está escrevendo bobagem? Será que a experiência dele serve para os demais?”, diz Luciana Holtz, presidente do Oncoguia.
No manifesto dos causadores, algumas das diretrizes são estas: não divulgar conteúdo de origem sensacionalista; não dar orientações que cabem a profissionais de saúde; priorizar a informação baseada em evidências cientÃficas.
Maria Paula tem câncer de mama metastático e mantém uma conta no Instagram (@lencododia) com quase 20 mil seguidores com os quais compartilha sua rotina de tratamento, suas memórias e pensamentos.
Em uma postagem recente, ela fez uma contabilidade: “Em sete anos, foram três protocolos. Já fiz 55 sessões de quimioterapia, 35 sessões de radioterapia na mama, mais duas radiocirurgias na cabeça e cinco sessões de radioterapia na pleura. Já fiquei careca três vezes; possivelmente ficarei mais algumas.”
A intensa relação com o câncer transbordou a vida pessoal e chegou à profissional. Ela, que é advogada e professora universitária, mudou de área de atuação, de direito eleitoral para a aplicação do direito à área da saúde. Entre os assuntos mais discutidos por ela estão as diferenças de tratamento no SUS e na rede privada e a incorporação de novas tecnologias no sistema público.
Ela explica que, como influenciadora, tem o dever de replicar uma notÃcia verdadeira ou de corrigi-la, se é falsa.
“Com a rede [de causadores], podemos trocar informações para que tenhamos certeza do que estamos divulgando. Geralmente eu digo para a pessoa procurar o médico para tirar as dúvidas dela, mas a gente sabe que muita gente não tem esse acesso imediato, o que torna nossa atuação ainda mais relevante.”
“É uma luta difÃcil [aquela contra as fake news]. Às vezes a mensagem é bonitinha, tem tom de informação relevante e, quando vai ver, já foi. Se as pessoas pensarem por alguns segundos se uma informação é verdadeira antes de replicá-la, já é uma vitória”, diz Holtz.
DEMORA
Em 2011, Sonia Niara, 27, sentiu um caroço no pescoço, coceira na pele e tosse. Por causa de um erro no diagnóstico, demorou um ano para ela saber que se se tratava de um linfoma já em estágio avançado.
A doença voltou poucos meses após a primeira tentativa de tratamento, uma quimioterapia. A tentativa seguinte foi um autotransplante de medula —algo um tanto agressivo e que, geralmente, equivale à cura, explica Sonia.
Não foi o caso, mais uma vez. “Um mês e meio depois o tumor veio maior do que antes. Costumo dizer que o transplante não fez nem cócegas nele.”
O alento só veio depois que ela recomeçou os tratamentos do zero. Quimioterapia, radioterapia, quimioterapia de novo. Atualmente ela está há 1 ano e 3 meses em remissão.
Foi depois do transplante, no fim de 2014, que ela resolveu compartilhar um pouco de sua rotina na forma de vÃdeos no YouTube e com posts no blog.
Ela havia ganhado uma peruca do pai e a mãe a incentivava a postar as fotografias que tirava. “Mas eu não queria fazer um diário online. Sempre preservei minha privacidade”, diz.
“Contei minha história, trazendo informação, esclarecimentos e um pouco de motivação. Nos primeiros vÃdeos, ensinei a amarrar lenços. Demorou um pouco, mas percebi que havia aà um propósito de vida.”
Ela, que antes teve de interromper os estudos para se tratar, cursava medicina veterinária, hoje é estudante de jornalismo e também faz parte do projeto do Oncoguia.
Um de seus textos, no qual ela explica os sintomas do linfoma, já obteve mais de 100 mil acessos, em mais de 30 paÃses. O alcance justifica o cuidado com o conteúdo, afirma Sonia.
A rede de causadores funciona como uma espécie de lembrete, diz. “Por causa desse papel de influenciadora sei que não posso só falar por mim. Tenho que pesquisar minhas fontes, levar a sério o que eu faço —virou uma causa.”
Ela afirma, porém, que há obstáculos para quem deseja seguir o caminho correto: “A gente constrói um conteúdo de qualidade e ele demora para se propagar. As fake news rodam o mundo em segundos, mas adianta, sim, lutar contra elas, porque quando você leva o conhecimento às pessoas, elas também passam a transmiti-lo de forma correta. É trabalho de formiguinha.”
COMPLEXIDADE
Segundo Helano Freitas, coordenador de pesquisa clÃnica do A.C.Camargo Cancer Center, uma consequência de boatos e notÃcias falsas sobre câncer é a adesão a terapias alternativas —sabidamente ineficazes— em detrimento do tratamento convencional.
“No meio oncológico a comunicação não é algo trivial. Temos de comunicar notÃcias difÃceis, quase sempre traduzindo um vocabulário complicado para o paciente. A pessoa sai daquele contexto e um conhecido traz a informação de que alguém teria se curado com erva, chá ou qualquer outra coisa mais fácil do que uma quimioterapia ou cirurgia, por exemplo —dá para entender o apelo.”
“Minha leitura é que os boatos se espalham em torno de uma esperança de uma grande mudança, mas nunca vi uma mudança que não viesse por meio da pesquisa clÃnica”, diz o médico.
FONTE FOLHA DE SP
Operadoras de saúde acionam Justiça contra nova cobrança de ISS
As empresas de planos de saúde questionam na Justiça a constitucionalidade da nova cobrança de ISS (Imposto Sobre Serviços), que passou a valer no inÃcio deste ano. Além de uma ação direta de inconstitucionalidade, movida pela Confederação Nacional de Saúde, CNS, e que está com o Alexandre de Moraes, empresas têm movido ações independentes contra prefeituras.
As primeiras decisões beneficiam as Unimeds de Rio Claro (SP) e de Curitiba, com a suspensão dos efeitos das legislações de mais de 50 municÃpios para os quais deveriam recolher o imposto.
As operadoras de saúde alegam que muitos dos mais de 5.561 municÃpios do paÃs elevaram a alÃquota cobrada pelo serviço, além das regras não serem padrões.
Até 2017, o tributo era cobrado das empresas de acordo com as taxas estabelecidas pelas cidades onde elas eram sediadas. Agora, a cobrança passa a ser feita de acordo com as regras tributárias da cidade onde reside o consumidor, sendo que cada municÃpio pode definir a taxa cobrada.
Há uma dificuldade de cobrança, porque, além de ter que cobrar em diversas cidades, cada uma tem uma lei diferente e não há uniformidade alguma entre as regras”, afirma Reinaldo Scheibe, presidente da Abramge (associação brasileira dos planos de saúde).
No caso dos planos de saúde, há um agravante: as legislações que estão sendo aprovadas por diversos municÃpios têm criado uma bitributação, diz Scheibe.
Isso porque a incidência do ISS no caso das operadoras não ocorre sobre a totalidade dos gastos das empresas, e sim apenas sobre suas despesas administrativas. Esse entendimento foi definido pelo STJ em 2011 e reforçado pelo STF em 2017.
Na prática, isso permitiria que muitos municÃpios incluÃssem no cálculo o que é pago pelas operadoras de saúde a terceiros, como hospitais e laboratórios.
A ideia da mudança tributária, porém, é justamente evitar a bitributação: a maior parte dos desembolsos das empresas de planos de saúde (cerca de 80%) tem como destino as prestadoras de serviços (hospitais, clÃnicas, laboratórios etc), que, por sua vez, também pagam ISS aos municÃpios onde estão sediadas.
“As novas regras valem para evitar sonegação e criar regras mais justas de acordo com a quantidade de pessoas atendidas pelos planos e tamanho da operação da operadora”, afirma Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos MunicÃpios. “Não existe essa de bitributação”.
Para Ziulkoski, a mudança é recente e será necessário ajustes. A relação entre operadoras e empresas parceiras, por exemplo, é algo que poderia ser tratado entre as partes mais para frente.
A ação apresentada pela CNS questiona a interpretação do conceito de prestação de serviços, que, neste caso, não seria no local onde o exame ou consulta é realizado e sim na sede da operadora de saúde.
"O serviço que está sendo prestado é a administração do plano de saúde. É no local dessa administração que a prestação ocorre", diz Renata Correia Cubas, sócia do escritório Mattos Filho, que representa a CNS.
Além disso, a nova forma de cobrança estaria ferindo o princÃpio da razoabilidade e praticabilidade tributária, que são fundamentais, segundo Cubas.
FONTE FOLHA DE SP