Em 516 dos 5.570 municípios brasileiros o câncer já é a principal causa de morte. Esta é principal conclusão de levantamento inédito feito com base nos números oficiais mais recentes do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM). De acordo com a análise do Observatório de Oncologia do movimento Todos Juntos Contra o Câncer (TJCC), em parceria com o Conselho Federal de Medicina (CFM), a doença avança a cada ano e, com a manutenção dessa trajetória, em pouco mais de uma década as neoplasias serão as responsáveis pela maioria dos óbitos no Brasil.
Os dados foram apresentados nesta segunda-feira (16), na sede do CFM, durante a terceira edição do Fórum Big Data em Oncologia promovido pelo TJCC, com o apoio do CFM, e que reuniu especialistas no assunto, autoridades e representantes de pacientes. Para a coordenadora do movimento e presidente e da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (ABRALE), Merula Steagall, a expectativa é de que o estudo contribua para um melhor planejamento das ações de controle, prevenção e tratamento da doença no Brasil.
“O aumento da mortalidade pela doença aqui está relacionado, também, às dificuldades enfrentadas pelo paciente para o diagnóstico e para o acesso ao tratamento. Diversos tipos de câncer são preveníveis e outros têm seu risco de morte significativamente reduzido quando diagnosticado precocemente. Nosso objetivo é alertar e engajar os múltiplos atores a somarem esforços no combate ao câncer”, destacou Merula.
Já o 1º secretário do CFM, Hermann von Tiesenhausen, enfatizou a importância de se discutir o avanço do câncer, especialmente no momento em que os candidatos a cargos eletivos elegem suas prioridades para as Eleições Gerais de 2018. “Este diagnóstico revela um grave problema de saúde pública que, a cada ano, assume maior relevância na lista de prioridades dos gestores. Na visão do CFM, é preciso envidar todos os esforços para conter essa epidemia e manter a obediência às diretrizes e aos princípios constitucionais que regulam a assistência nas redes pública, suplementar e privada no Brasil”.
Os dados mostram que a maior parte das cidades onde o câncer já é a principal causa de morte está localizada em regiões mais desenvolvidas do País, justamente onde a expectativa de vida e o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) são maiores. Dos 516 municípios onde os tumores matam mais, 80% ficam no Sul (275) e Sudeste (140). No Nordeste, estão 9% dessas localidades (48); no Centro-Oeste, 34 (7%); e no Norte, 19 (4%).
Ao todo, estes municípios concentram uma população total de 6,6 milhões de habitantes. Onze municípios são considerados de grande porte, sendo Caxias do Sul (RS) o mais populoso deles, com quase meio milhão de habitantes. Outros 27 são de médio porte (com população entre 25 mil e 100 mil) e a grande maioria (478) está situada na faixa de pequenos municípios, com menos de 25 mil habitantes. Araguainha, menor cidade do Mato Grosso, é também a menor cidade da lista identificada pelo TJCC e CFM.
O Rio Grande do Sul é o Estado com o maior número de municípios (140) onde o câncer é a primeira causa de morte. Enquanto em todo o País as mortes por câncer representam 16,6% do total, no território gaúcho esse índice chega a 33,6%. Um dos fatores que pode explicar a alta incidência de câncer na região são as características genéticas da população, que pode apresentar maior predisposição para desenvolver o câncer de pele (melanoma), por exemplo.
Das 27 unidades federativas, 24 contam com pelo menos uma localidade onde o câncer é a principal causa de mortalidade. Alagoas e Amapá foram os únicos estados onde essa situação não aconteceu, além do Distrito Federal, que, por sua característica administrativa, não se divide em municípios. Nos três, a principal causa de óbito está relacionada às doenças do aparelho circulatório.
Tabela 1. Quantidade de municípios onde o câncer é a principal causa de morte, segundo região do Brasil e Unidade da Federação – 2015
Região
Municípios
Estado
Municípios
CENTRO-OESTE
34
Goiás
16
Mato Grosso
16
Mato Grosso do Sul
2
NORDESTE
48
Bahia
11
Ceará
4
Maranhão
1
Paraíba
15
Pernambuco
1
Piauí
3
Rio Grande do Norte
11
Sergipe
2
NORTE
19
Acre
1
Amazonas
3
Pará
1
Rondônia
2
Roraima
1
Tocantins
11
SUDESTE
140
Espírito Santo
3
Minas Gerais
84
Rio de Janeiro
1
São Paulo
52
SUL
275
Paraná
40
Rio Grande do Sul
140
Santa Catarina
95
Perfil – O Observatório analisou os dados do SIM e identificou que, das 9.865 mortes registradas nas 516 cidades, a maioria foi entre os homens (57%). Seguindo a tendência do grupo, em 23 estados os homens lideram o número absoluto de mortes. Em 21 cidades, não houve sequer registro de óbito entre as mulheres. Apenas no Ceará e em mato Grosso do Sul elas foram maioria nos registros de óbitos. Em 62 municípios as mortes registradas em 2015 foram iguais para os dois sexos.
Tabela 2. Quantidade de óbitos nos 516 municípios, segundo sexo, região do Brasil e Unidade da Federação – 2015
Região
Estado
Masculino
Feminino
CENTRO-OESTE
Mato Grosso
66
58%
47
42%
Goiás
42
52%
39
48%
Mato Grosso do Sul
1
25%
3
75%
NORDESTE
Alagoas
12
60%
8
40%
Bahia
160
59%
113
41%
Rio Grande do Norte
52
58%
37
42%
Piauí
31
57%
23
43%
Pernambuco
31
55%
25
45%
Maranhão
34
54%
29
46%
Sergipe
8
53%
7
47%
Paraíba
77
51%
74
49%
Ceará
28
49%
29
51%
NORTE
Amazonas
22
73%
8
27%
Roraima
5
71%
2
29%
Acre
12
71%
5
29%
Rondônia
12
67%
6
33%
Tocantins
100
55%
81
45%
Pará
15
54%
13
46%
SUDESTE
Espírito Santo
38
69%
17
31%
Rio de Janeiro
19
66%
10
34%
Minas Gerais
694
57%
519
43%
São Paulo
703
56%
547
44%
SUL
Paraná
689
60%
461
40%
Santa Catarina
1016
56%
788
44%
Rio Grande do Sul
1633
56%
1293
44%
Total
5500
57%
4184
43%
Com relação à idade, metade dos óbitos se concentra nas faixas de 60 a 69 anos (25%) e 70 a 79 anos (25%). Em seguida, a maior proporção aparece no grupo dos que tinham mais de 80 anos (20%). Crianças e adolescentes, grupo que compreende a faixa etária de zero a 19 anos, somaram 1,3% dos óbitos naquele ano.
Tabela 3. Quantidade de óbitos nos 516 municípios, segundo faixas etárias – 2015
Faixa Etária
Quantidade de Óbitos
0 a 9 anos
56
10 a 19 anos
71
20 a 29 anos
109
30 a 39 anos
252
40 a 49 anos
690
50 a 59 anos
1700
60 a 69 anos
2408
70 a 79 anos
2474
80 anos e mais
1925
Histórico – Atualmente, as complicações no aparelho circulatório, especialmente o Acidente Vascular Cerebral (AVC) e o infarto agudo do miocárdio, ainda são responsáveis pela maior parte dos óbitos. Em geral, são doenças associadas a má alimentação, consumo excessivo de álcool, tabagismo e sedentarismo. Contudo, os registros que ficam sob a supervisão do Ministério da Saúde mostram que a incidência de neoplasias com desdobramentos fatais tem avançado.
No ano de 2015 (último período com estatísticas disponíveis), foram registradas 209.780 mortes por câncer e 349.642 relacionadas a doenças cardiovasculares e do aparelho circulatório. No entanto, quando comparados com os dados de 1998, por exemplo, percebe-se uma grande diferença no comportamento desses dois tipos de transtornos.
Os registros mostram que o número de mortes por câncer aumentou 90% em 2015 com relação a 1998, quando 110.799 pessoas foram à óbito por conta da doença. Nos mesmos períodos, houve uma alta de 36% entre as vítimas de doenças cardiovasculares, que na época somavam 256.511 pessoas. Ou seja, o crescimento das mortes por neoplasias foi quase três vezes mais rápido do que daquelas provocadas por infartos ou derrames.
No mundo, o câncer é responsável por 8,2 milhões de mortes por ano em todo o mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Aproximadamente 14 milhões de novos casos são registrados anualmente e o organismo internacional calcula que essas notificações devam subir até 70% nas próximas duas décadas.
Doença da modernidade – Na avaliação da presidente da Abrale, a mudança nos indicadores desses municípios reflete o novo perfil epidemiológico do Brasil, pois o câncer pode ser considerado uma doença vinculada ao desenvolvimento e à modernização em sociedade. “Dentre as hipóteses que justificam esses números estão: o aumento da expectativa de vida e consequente mudanças genéticas decorrentes do envelhecimento da população; e o comportamento não saudável de milhões de brasileiros, que ainda são adeptos do consumo do tabaco, não realizam atividades físicas, sofrem com os efeitos da obesidade ou se expõem ao sol de forma excessiva e sem proteção”, aponta Merula Steagall.
Para ela, ao contrário de doenças infectocontagiosas, que sugerem a falência do sistema em seu nível básico – com dificuldade de fazer o rastreamento de casos, de ampliar a cobertura vacinal ou de promover medidas com impacto direto na saúde, como ampliação da rede de água e esgoto tratados –, o aumento do número de casos de câncer também pode ter outra explicação: “a melhoria do acesso aos métodos de diagnóstico, o que tem facilitado a descoberta precoce dos tumores”.
Principais entraves – Embora também acredite que a realização de exames diagnósticos tenha melhorado, sobretudo na rede particular e suplementar, o representante do CFM pondera que o tratamento do câncer no Sistema Único de Saúde (SUS) ainda enfrenta muitas dificuldades. “Apesar dos investimentos realizados no controle e tratamento do câncer, o número de estabelecimentos e equipamentos disponíveis no SUS ainda são insuficientes para absorver a demanda crescente”, destacou Hermann von Tiesenhausen.
Outra preocupação é a concentração da rede referenciada para tratamento do câncer. Atualmente, o câncer pode ser tratado nos hospitais gerais credenciados pelos gestores locais e habilitados pelo Ministério da Saúde como unidades de Assistência de Alta Complexidade (UNACON) e Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON).
Segundo o levantamento do TJCC e CFM, que também mapeou a distribuição da infraestrutura, atualmente existem 296 estabelecimentos de assistência oncológica habilitados nos SUS e 410 disponíveis à rede privada. Na rede pública, são oferecidas 2.065 salas de quimioterapias e 496 aparelhos de radioterapia (braquiterapia, ortovoltagem e aceleradores lineares).
Embora todos os estados brasileiros tenham pelo menos um hospital público habilitado em oncologia, as regiões Sul e Sudeste concentram 69% (205) deles. Além disso, nestas duas regiões estão 66% (1.354) das salas de quimioterapias e 72% (355) dos aparelhos de radioterapia. Em relação à saúde suplementar ou particular, para as mesmas regiões estão disponíveis 75% (308) dos hospitais que realizam tratamento oncológico.
Tabela 4. Quantidade CACONs e UNACONs, segundo região do Brasil e Unidade da Federação – 2017.
Região
Estado
CACON/UNACON
CENTRO-OESTE
Distrito Federal
21
4
Goiás
5
Mato Grosso do Sul
7
Mato Grosso
5
NORDESTE
Alagoas
59
5
Bahia
15
Ceará
8
Maranhão
4
Paraíba
4
Pernambuco
10
Piauí
3
Rio Grande do Norte
8
Sergipe
2
NORTE
Acre
11
1
Amazonas
1
Amapá
1
Pará
4
Rondônia
1
Roraima
1
Tocantins
2
SUDESTE
Espirito Santo
138
8
Minas Gerais
33
Rio de Janeiro
28
São Paulo
69
SUL
Paraná
67
24
Santa Catarina
15
Rio Grande do Sul
28
Total
296
296
Faixa Etária
Quantidade de Óbitos
0 a 9 anos
56
10 a 19 anos
71
20 a 29 anos
109
30 a 39 anos
252
40 a 49 anos
690
50 a 59 anos
1700
60 a 69 anos
2408
70 a 79 anos
2474
80 anos e mais
1925