Gerir um dos maiores sistemas de saúde do mundo, em momento de recessão econômica, será um dos principais e mais complexos desafios do governo de Michel Temer.
Desde que assumiu interinamente, sua equipe dá sinais de que haverá mudanças no SUS (Sistema Único de Saúde), que hoje atende diretamente 75% da população brasileira.
O atual ministro da Saúde, Ricardo Barros, já afirmou que o paÃs não conseguirá mais sustentar os direitos que a Constituição garante, como o acesso universal à saúde. Nesta semana, o governo Temer criou um grupo de trabalho para elaborar uma proposta de revisão da legislação que rege o SUS.
A proposta de limitar gastos obrigatórios também representará um impacto direto no sistema público de saúde. Hoje, pela Constituição, o governo federal tem que aplicar no mÃnimo 13,2% de sua receita lÃquida em saúde. Com a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) sugerida pelo governo, a saúde deixaria de ter uma garantia de percentual de receita obrigatória.
A União cumpriria um valor mÃnimo (ainda não foi especificado) que seria corrigido anualmente pela inflação. Segundo especialistas do setor, se a PEC for aprovada, os cortes girariam em torno de R$ 44 bilhões a menos para o SUS a partir do próximo ano. O Orçamento de 2016 é de R$ 118 bilhões. Além do corte de programas básicos, como o Farmácia Popular e o Samu, isso pode significar mais demora para atendimentos e cirurgias no sistema público.
O momento não poderia ser pior. Em razão da crise econômica e do desemprego, a previsão é que perto de 2 milhões de pessoas terminem o ano de 2016 sem planos de saúde e terão que bater na porta do já subfinanciado e sucateado SUS. O paÃs já gasta pouco com saúde, menos do que a média mundial. A maior parte do gasto vem do setor privado. Dos 8,5% do PIB investidos, 4,9% são da iniciativa privada e apenas 3,6% do poder público.
Mas qual a saÃda para garantir mais dinheiro para o SUS? Entre as sugestões de especialistas estão a taxação de grandes fortunas, a sobretaxa de produtos que causam doenças como refrigerantes e cigarros e menos renúncia fiscal.
Um estudo do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) apontou que apenas com a dedução de gastos com saúde no Imposto de Renda de pessoas fÃsicas e jurÃdicas o governo deixa de arrecadar R$ 16 bilhões por ano.
Mas, mesmo diante do inquestionável subfinanciamento do setor, economistas da saúde sustentam que é possÃvel gastar melhor o montante atual, aprimorando a gestão dos serviços, coibindo desperdÃcios e fraudes e priorizando a prevenção e promoção da saúde.
O combate às epidemias de dengue, zika e chikungunya, ligadas ao mosquito Aedes aegypti, também é outra prioridade. Para isso, além da verba, é preciso que o Ministério da Saúde melhore o controle e a fiscalização das ações de prevenção executadas por municÃpios e Estados.
A judicialização da saúde é considerado outro importante ralo por onde se escoa hoje perto de 7 bilhões de verbas federais, estaduais e municipais. As ações usam o direito universal proposto na Constituição para conseguir remédios e outras terapias, mas isso acaba por desviar recursos de outros programas.
Os desafios pela frente são inúmeros, mas, em se tratando de cortes em saúde, seria salutar que o governo de Michel Temer recorresse aos ensinamentos de David Stuckler, economista de Oxford, que estudou a polÃtica econômica de austeridade em 27 paÃses (1995-2011).
Seu trabalho gerou o chamado "multiplicador fiscal", que mostra o quanto de dinheiro se consegue de volta com diferentes gastos públicos. Os melhores Ãndices multiplicadores vem de gastos com educação e saúde, os piores com a defesa.
"Saúde é oportunidade de gerar economia e crescer mais rapidamente. Se cortar em saúde, gera mais mortes, aumento e surtos de infecções por HIV, TB, DIP, aumento dos Ãndices de alcoolismo e suicÃdio, aumento dos problemas de saúde mental, risco de retorno de doenças erradicadas. Governos deveriam investir mais em saúde em tempos de crise, para sair dela."
FONTE FOLHA DE SP