Há três anos, um estudo internacional da OMS (Organização Mundial de Saúde), chamado "Megacity Mental Health Survey", apontou a região metropolitana de São Paulo como a campeã mundial de problemas mentais, com cerca de 30% da população sofrendo de algum problema psiquiátrico.
Entre as perturbações mais comuns estavam ansiedade, mudanças comportamentais e abuso de substâncias quÃmicas. A alta incidência foi atribuÃda à alta urbanização associada às privações sociais.
Lembrei-me deste trabalho ao acompanhar a manifestação contra o possÃvel fechamento do Caism (Centro de Atenção Integral a Saúde Mental), ligado à Santa Casa de São Paulo, em razão da grave crise financeira que atinge a instituição.
Ainda que o governo estadual negue que o fechamento vá acontecer, a comunidade psiquiátrica e as famÃlias de pacientes estão aflitas com essa possibilidade. Com toda a razão. O Caism é um tipo de serviço que deveria ser multiplicado, jamais extinto.
Inaugurado em 1998, é um dos poucos no paÃs que conta com diversos nÃveis de atendimento, como ambulatório, hospital-dia, internação integral e emergência. São 10 mil consultas ambulatoriais por mês, 12 mil consultas de emergência por ano e mais de cem internações por mês em seus 43 leitos. É um dos maiores centros de psiquiatria do Estado, uma área com muitos gargalos em todos os nÃveis de assistência.
Não é de hoje que o paÃs vive um apagão na saúde mental. Por um lado, são louváveis os esforços feitos para dar fim ao modelo de manicômios em que os doentes eram afastados de suas famÃlias e submetidos a verdadeiras sessões de tortura que os levavam à morte ou os deixavam com sequelas ainda piores que a doença mental.
Por outro lado, a atual polÃtica nacional de saúde mental não tem conseguido responder à crescente demanda por atendimento psiquiátrico, muitos com necessidade de internação. Ela defende o atendimento dos pacientes fora dos hospitais, com ênfase na reabilitação psicossocial. Para isso, foram criados espaços como o Caps (Centro de Atendimento Psicossocial), as casas de acolhimento transitório (CATs) e as casas terapêuticas. Em casos de emergências, também são usados leitos em hospitais gerais. Muito já foi feito, mas ainda há muito, muito o que fazer.
Uma rápida visita ao centro de São Paulo, na região chamada de cracolândia, dá a dimensão do problema. Na noite de sexta passada, saindo do trabalho, fui surpreendida por um homem maltrapilho, visivelmente surtado. Chovia, o trânsito estava parado e ele começou a esmurrar o carro. Não satisfeito, riscou a lataria. Fui tomada por um misto de raiva, de medo e de pena. Foi um baita prejuÃzo, mas o carro tem conserto. E essas pessoas? Com quem elas podem contar? Quais as chances de reabilitação?
Muitos desses moradores de rua com doenças mentais acabam mortos ou presos. Há quem diga que os presÃdios já são os novos manicômios. Ou seja, só mudaram de endereço. Concentram amontados de doentes mentais sem nenhuma assistência psiquiátrica.
A verdade é que o paÃs pouco investe na prevenção e no tratamento precoce dos transtornos mentais. Em entrevista ao site do médico Drauzio Varella, o psiquiatra Valentim Gentil, dá algumas dicas de como isso é possÃvel. Pessoas com predisposição para problemas psiquiátricos (que têm casos de doença mental na famÃlia), precisam passar longe das drogas porque elas podem servir de gatilho. Também devem evitar remédios para emagrecer e estimulantes porque podem desencadear ataques de pânico.
Mulher que continua deprimida três dias depois do parto, se não receber atendimento eficaz, corre o risco de desenvolver um quadro grave de psicose. Segundo Gentil, outro exemplo é a agudização dos quadros manÃacos. Se forem tratados nas primeiras 48, 72 horas, a crise poderá ser controlada em duas ou três semanas sem necessidade de internação hospitalar.
Cuidar da prevenção desses problemas ou evitar que eles se agravem é uma das formas responsáveis de evitar a necessidade de hospitais psiquiátricos. Só fechar essas instituições e achar que o problema está resolvido, é tapar o sol com a peneira.
FONTE FOLHA DE SP