3º LUGAR CONCURSO DE CONTOS
Acadêmico de Medicina - John Nascimento
Humanos e Baratas
Essa história daria um belo romance para lá de trezentas páginas. Mas sou um escritor extremante conciso, e odeio suspenses. Então em menos de cinco folhas segue um fato cotidiano sobre os humanos.
José Otávio era de uma famÃlia de psiquiatras, e desde muito cedo, achou que a mente humana era sua praia. Montou seu consultório, e se tornou um profissional respeitado até se apaixonar pela pessoa errada, ou melhor pela paciente errada.
Mariana era a última consulta do dia, entrou com uma queixa de que falava com as baratas. Um dom terrÃvel. Iniciou o quadro aos vinte anos de idade, quando tentou matar uma cucaracha e a mesma olhou para ela e disse.
- Não me mate, sou mãe de 4 baratinhas.
Mariana escondeu isso por muito tempo, até os vinte e seis anos de idade para ser exato, nunca contou a ninguém, ás vezes quando tinha paciência era terapeuta de baratas. Elas têm problemas como qualquer ser humano normal ou anormal, dizia na consulta, mas Mariana estava saturada de escutar tanta reclamação das baratas. E como era de se prever a moça ficou conhecida no mundo “baratesco”, todas queriam morar no seu pequeno terreno, assim elas estariam livres de serem exterminadas. Porém as baratas perceberam que a superpopulação seria prejudicial tanto para elas quanto para doce Mariana. Então resolveram disputar a vaga daquele paraÃso através de um torneio de lutas, foi explicado para Mariana como funcionaria as regras do sorteio, os pesos e as modalidades. Porém o UFC de baratas não teve êxito, se iniciou um quadro horrÃvel de venda de lutas, a corrupção se instalou. Mariana como presidente das baratas deu o decreto, que somente as fracas, ou com alguma necessidade especial ou vÃtima dos maus tratos humanos ficariam na sua casa. Outro problema, não existia exceção regra, todas as baratas tinha sequelas da perseguição desenfreada dos homens. Nunca se resolvia essa questão, Mariana não aguentava mais essa situação, e teve uma atitude extremada, contratou uma empresa para dedetizar sua casa. Não avisou nenhuma, nem sua amiga barata mais próxima Mxmuc, nome de barata, todas tinham um x no nome.
A casa de Mariana foi cenário de uma chacina. Não demorou muito para que ela se arrependesse. Os olhos verdes de Mariana estavam inconsoláveis. Reclamava que nenhuma barata dialogava com ela, e se por ventura alguma baratinha cruzasse com ela, corria em disparada com medo de ser assassinada. Mariana procurou o psiquiatra para chorar a vontade, as pessoas não entenderiam o motivo de sua tristeza, e ela não poderia contar, porque seria taxada como louca.
José Otávio se compadeceu daquele caso, e explicou que ela deveria se acostumar com a situação. As baratas estavam com medo, era uma questão de confiança quebrada. Talvez aquela situação nunca mais mudasse. José Otávio teve uma paixão instantânea pela mulher das baratas, e não pensou em nenhuma patologia que explicaria aquilo, apesar de existirem tantas. Nas consultas seguintes José Otávio levou algumas baratinhas numa caixa, mas todas fugiam da sua algoz. Realmente aquilo não teria mais volta, e Mariana não aguentava mais conviver com a culpa de ser uma pessoa tão assustadora, para quem foi um dia, suas grandes companheiras.
O Psiquiatra não sabia o que fazer, mas não deixaria Mariana na mão. Tentaram muitas formas de terapia, tentaram comunicação com outros tipos de inseto e nada.
As consultas se tornaram mais e mais frequentes, José Otávio esquecia de todos os seus pacientes em detrimento da sua paixão, usava a desculpa de ela ser uma paciente grave. O estranho é que ele não cobrava mais as consultas. Mariana não percebia a paixão do médico em meio a sua dor. Mas ele não se importava, um dia ela notaria o sentimento.
Em um dia qualquer Mariana se matou com um tiro na boca. Todos lançaram os olhos para o psiquiatra querendo uma explicação, ele guardou o segredo para si, e disse se tratar de uma depressão difÃcil de ser tratada. Foi duro enterrar o seu amor cujo crime foi ter agido por impulso e ter exterminado as baratas de sua casa. Depois disso José Otávio teve aversão a qualquer tipo de inseto. Mas, de repente, como num tiro na cabeça, aconteceu algo inesperado.
José Otavio avistou uma barata em seu consultório, tirou o próprio sapato para dá cabo à vida daquele inseto cascudo. Quando escutou.
- Por favor, não me mate. Prometo nunca mais vir aqui.
O que Mariana tivesse era contagioso. José Otavio agora também falava com as baratas, pensou em não dá ouvidos ao inseto, mas ele disse seu nome, sua profissão, quanto filhos tinha para aflorar a compaixão do psiquiatra, estratégia de sucesso. José Otávio teve pena, e deixou o Jxdmi ir. O médico sentiu-se conectado com Mariana através daquele dom, e regularmente atendia algumas baratas com problemas psiquiátricos. A maioria dos casos era transtorno pós traumático após a fúria dos seres humanos com as coitadinhas. Mas como vocês devem deduzir a fama do psiquiatra se espalhou naquele universo blattodea. Baratas do mundo todo disputavam uma consulta. Uma agenda muito lotada entre humanos e baratas.
E
Nota máxima
Envelhecer é um ato continuo. Não tenho inveja dos que agora são jovens, pois eles estão também oxidando. Envelhecer, antes de tudo, é um ato de justiça. Pois bem, depois dessa pequena explicação e exaltação ao verbo envelhecer, vou dá seguimento sobre o dia de hoje. Estou numa situação bem crÃtica, internado, esperando minha hora chegar- eufemismo ridÃculo esse. Não respiro bem, não me alimento, e a cereja do bolo é uma pneumonia viral, que graças a Deus apareceu, pois já não aguento mais o drama dos meus filhos chorando com o prenúncio da minha morte. Todo mundo morre, eu não seria exceção à regra, e morrer de velhice não é trágico, é natural. A morte e a vida para quem vai aos poucos ficando sem muita água no corpo, como eu, já com os meus 101 anos são quase irmãs, andam juntas. Tenho momentos que penso na saudade que eu sentirei dos meus filhos, dos meus netos, mas eu já fiz o que deveria ter feito nessa vida, e sinceramente não sei se outra me aguarda. Envelhecer não é fácil. Morrer de velho é mais simples. Tudo dói, respirar dói, andar dói, fica a sabedoria de ponto positivo, mas ninguém segue os conselhos dos anciãos, é inerente da juventude errar, mesmo que pessoas mais experientes indiquem os caminhos mais fáceis e menos doloridos. Eu, por exemplo, nos meus vinte e tantos anos, somente fazia o que eu queria, achava meu pai anacrônico e não seguia quase nenhum conselho do meu velho. Aprendi com as porradas da vida. Será que eu vou encontrar meu pai, minha mãe, minha esposa depois que eu me for? Dizem que nossos entes queridos vêm nos receber na hora da morte, por enquanto não apareceu ninguém aqui perto do meu leito, só uns estudantes de medicina que me olham com um cara de que não sou importante, vou morrer de qualquer forma. Mas fico sossegado, pois eles estão envelhecendo, nesse quesito, a vida é maravilhosamente justa. Acho que ainda tenho umas duas horas de vida, eu sinto, um pressentimento. Não farei drama nas minhas horas finais, até por que estou morrendo de velho, há mortes bem piores e dolorosas. Então nessas minhas horas que me restam e enquanto meus filhos não estão por aqui segurando minha mão, vou contar para você um causo da minha juventude, uma memória que me veio agora. Porque envelhecer é um estado, quando possÃvel, de eterno relembrar. Dizem que relembrar é viver, como tenho poucas horas, relembrar é viver mais um pouco nessas horas que me sobram.
Tinha quinze anos, e ainda era virgem, para meu pai, um militar rÃgido e machista, isso era quase um crime, então meu pai e meu tio, decidiram me levar a um bordel, não sei se ainda usam esse nome para esse tipo de estabelecimento. Para meu saudoso pai, eu era um jovem muito delicado e sensÃvel, e ele culpava minha mãe por essa sensibilidade e delicadeza. Coitada da minha mãe, ela não tinha culpa de nada, meu pai que era paranóico. Mas aos quinze anos estava apaixonado por LetÃcia Alves, era da minha sala, tinha os mesmos quinze anos que eu, e tinha seios que me faziam não prestar atenção em nenhuma aula, perdia horas no banheiro com LetÃcia Alves, e para disfarçar fingia que a demora era por que estava lendo um livro e perdia a noção do tempo, para meu pai, mas uma prova exagerada da minha delicadeza. As aulas de educação fÃsica eram as melhores, LetÃcia Alves ficava suada, e o uniforme grudava um pouco no corpo dela. Meus amigos sabiam da minha paixão, mas todos eram igualmente loucos por ela, mas nenhum tinha coragem de tomar uma iniciativa. Então caberia à LetÃcia o primeiro passo. Uma regra básica na vida, todos os meninos com quinze anos são uns tapados, as meninas nessa idade são bem mais madura e menos medrosa e sabem como agir e seduzir. Mulher já vem com a genética cruel para fazer a gente sofrer. Gravem esse nome leitor, LetÃcia Alves, que tanto enfatizo, pois ela é uma das protagonistas dessa história, na verdade, ela é a protagonista nas minhas horas finais.
Quando cheguei no bordel por volta das 23:00 horas num sábado quente, sentamos eu, meu pai e meu tio numa mesa. Eu estava pensado na minha paixão de ensino médio, nenhuma daquelas senhoras era mais bela que o grande amor de minha vida. Ninguém precisou me falar onde eu estava, já tinha noção. Não demorou para que meu pai pedisse para que eu apontasse para a moça que eu achasse mais bonita, mas só para sacanear, apontei para a mais feia, ela devia ter uns quarenta e cinco anos, era a mais velha das que eu poderia escolher, tinha por volta de 1,60, e pesava uns 100 quilos. Meu pai não percebeu que eu estava sendo sacana, e Madame D veio em nossa direção, ela riu para mim, meu pai combinou o preço no ouvido dela. Madame D, me levou para quarto e tirou toda sua roupa. Nesse momento fitei os olhos dela e disse:
- Desculpa, mas não conseguirei!
- Demora mesmo querido, você não quer tentar?
- Não é isso, e que estou apaixonado por outra mulher, e sinto que estarei traindo esse amor.
Madame D pôs a roupa na hora, e pediu que eu contasse sobre essa minha paixão. Falei tudo sobre LetÃcia Alves, mas ela queria saber todos os detalhes, acho que naquela noite, eu fui uma boa companhia para Madame D. Ela me deu ótimos conselhos, e falou como eu deveria agir, e como as mulheres funcionam. Conversamos por aproximadamente uma hora, no final ela disse algo que meu pai detestaria ouvir.
- Você é muito sensÃvel.
Ela manchou minha boca de batom, deu um chupão no meu pescoço, e arrancou alguns botões da minha camisa. Naquela noite, meu pai estava certo que tinha um touro dentro de casa. Perto de morrer, estou lembrando de Madame D e seus ótimos conselhos que tentei seguir à risca para conquistar Leticia. Um mulher que marcou minha vida merece que seja lembrada. Essa ambiguidade no final do perÃodo passado é de propósito.
Madame D, disse que eu precisaria ter atitude, mulheres gostam de homem com atitude, esse será seu diferencial comparado com seus outros concorrentes, falou para mim na nossa fajuta noite de amor.
Me tornei um adolescente obstinado, senti que aquela garota era a mulher da minha vida. Comecei um estratagema. LetÃcia era monitora de quÃmica orgânica, então fui mal nas provas deliberadamente e me tornei aluno da monitoria. Ela já havia me notado, mas naquela sala de cadeias carbônicas passei a ser mais visto. O cheiro do cabelo dela, tornava tudo tão difÃcil, não conseguia prestar atenção. Mulheres, sempre tão espertas. Não demorou muito para ela perceber que estava apaixonado, minha atitude foi substituÃda por gagueira. Sorte minha que ela tinha queda por essas gagueiras nervosas. A minha tragédia se tornou meu charme. Da sala da monitoria fomos para os cinemas, dos cinemas para o amasso na escola escondido de todos, e desse amasso fomos para cama. A cama foi algo bastante interessante.
Combinamos um estudo na casa dela, uma aula de reforço especial, eu seria o único aluno. Ela marcou um dia em que os pais não estariam em casa. Foi numa sexta feira chuvosa, cheguei ensopado. Pus uma camisa do pai dela. O estudo estava rendendo, mas ela resolveu trabalhar o quesito esforço e recompensa. Cada pergunta que eu acertasse ela tiraria uma roupa, e cada pergunta que eu errasse eu tiraria uma peça. Jogo de regras simples. Ela me fez as questões mais simples, acertei todas. Ela ficou inteiramente nua na minha frente. Fiquei completamente sem ação, ela riu para mim e falou:
- Espero que nessa prova prática você tire nota máxima.
Nunca me esquecerei dessa frase, consigo esboçar um pequeno sorriso de canto de boca enquanto morro nesse leito. Ela me deu 7,5, eu dei a ela nota máxima, é evidente. Queria mais uma prática, mas ele preferiu descansar no meu colo e conversar sobre a vida e nossos planos.
TÃnhamos uma hora até o pai dela chegar, tentei mais uma investida, em vão. Foi minha primeira e única vez com ela. Ela me olhou nos olhos uma última vez e sussurrou no meu ouvido.
- Vou me casar com você!
Falou isso na maldade, depois desse dia, nunca mais nos falamos. Ela passou a me evitar. Sofri muito, perdi alguns quilos, chorei na frente dela, implorei, e todo aquele dramalhão de um tolo apaixonado. No entanto, ela somente me abraçava e dizia que foi muito especial o nosso encontro, mas que já era suficiente. O tempo resolve tudo, eu a esqueci, e ela se tornou uma lembrança ótima. Fiz faculdade de engenharia quÃmica por inspiração dela, a encontrei algumas vezes, estávamos ambos casados e com filhos. SaÃmos para beber uma cerveja e relembrar os idos tempos, tentei mais uma prova prática, ela recusou com uma frase épica.
- Você sabe muito mais que eu agora, e continua safado!
Confesso que superei minha paixão não correspondida, ficando com todas as suas amigas, e com as meninas mais velhas do terceiro ano, tive uma boa fama na época do colegial. Para curar a frustração de um amor não correspondido só e possÃvel em colos de outras. Meu pai teria orgulho de mim se soubesse que Madame D. me ensinou bem, bem mais que ele em matéria de mulher. Mas adorava deixar meu pai preocupado com minhas atitudes virginais, apesar de me tornado um pequeno devasso. Fase boa da vida.
Estranho me lembrar da minha primeira vez perto de morrer, acho que foi a frase que nunca me esqueci e soou tão deliciosamente libidinosa, engraçada e até inocente.
- Espero que nessa prova prática você tire nota máxima.
Uma história tão boba, por isso tão boa. Sinto muito se você, atento leitor, esperou alguma lição sobre vida, se vocês ansiaram por um conhecimento sobre a experiência que eu adquiri com o passar do tempo, isso vocês aprendem por si só. A velhice é democrática, mas individual. Cada um envelhece a seu modo. A velhice é um pacto honrado com a solidão, Gabriel GarcÃa Márquez estava coberto de razão quando proferiu essa emblemática frase. Não esmiuçarei o significado dessa sentença, vocês a entenderão daqui alguns bons anos. Por enquanto não vejo minha finada esposa à minha espera, nem uma luz no fim do túnel, o que eu estou me recordando antes de morrer são de cadeias orgânicas e polÃmeros. Acho que ainda tenho uns 20 minutos. Nesses minutos restantes me calarei, irei embora em silêncio. Se terei saudades ter sido eu? Sinceramente não sei. O bom de morrer deve ser não sentir mais saudades de nada. Saudade dói, dor que engana.