No inÃcio do mês, o Hospital Universitário de Aarhus, na Dinamarca, ganhou fama mundial ao quebrar o protocolo para realizar o último desejo de Carsten Flemming Hansen, de 75 anos, paciente em situação terminal internado com um aneurisma na aorta e hemorragia interna. Sem opções de tratamento, e com possibilidade de morrer em poucas horas, ele teve três desejos atendidos pela equipe médica: um cigarro, uma taça de vinho e uma cadeira de rodas para que ele pudesse ver o pôr do Sol.
A iniciativa é aplaudida por especialistas em cuidados paliativos. Em perguntas feitas pela plateia no “Encontros O GLOBO Saúde e Bem-Estar”, a psicóloga Ligia Py ressalta que, nos últimos momentos, a vontade do paciente prevelace sobre suas enfermidades.
— Uma senhora diabética está no final da vida e ganha um pudim de sua neta, a receita mais famosa da famÃlia, e ela não vai poder comer? O diabetes nesse momento é o que menos importa — defende. — A taça de vinho e o cigarro para o paciente com câncer de pulmão são pequenas coisas aos nossos olhos, mas um prazer imensurável na despedida final. Isso faz com que a passagem da vida para a morte aconteça com algum prazer, e nós somos responsáveis por proporcionar essas satisfações.
NOVO PONTO DE VISTA
Diante de uma sociedade em franco envelhecimento, é necessário mudar nossa ótica sobre o que significa chegar a idades mais avançadas:
— A juventude é celebrada em nossa era como algo absolutamente máximo: a produção, a sensualidade, o charme — destaca a psicóloga. — E curiosamente esta mesma cultura vê a velhice como algo oposto a estes valores. Se a juventude é bela e saudável, o envelhecimento é feio e ruim. Esse paradigma deve ser mudado. Se soubermos lidar com limitações e doenças, teremos mais chances de superar adversidades e daremos um sentido diferente a nossa vida.
Ligia recomenda as transformações dos velhos, mas pondera que eles, assim como pessoas de todas as faixas etárias, também terão suas mazelas.
— Não é possÃvel envelhecer sem angústia, assim como não é possÃvel viver sem elas — ressalta. — As crianças têm angústia, os adolescentes são angustiadÃssimos. Os adultos têm doenças cardiológicas, sofrem pressão no trabalho, enfrentam uma enxurrada de estÃmulos e exigências sociais.
O cardiologista Claudio Domênico cita pesquisas que mostram como as pessoas encaram a morte. Há, segundo ele, cinco etapas básicas — negação, raiva, barganha, depressão e aceitação.
— Também já sabemos os arrependimentos mais comuns. As pessoas dizem que queriam ter aproveitado a vida de seu jeito, e não da forma como os outros desejavam. Queriam não ter trabalhado tanto, ter falado mais sobre seus sentimentos. Queriam não ter perdido contato com seus amigos. Queriam ter permitido que fossem felizes. Ninguém fala em dinheiro.
Para Domênico, a religião e a filosofia estão entre os principais apoios para quem encara o fim da vida. E resume a atitude de pacientes que sabem encarar estes momentos em apenas duas letras:
— Fé. É a menor palavra no dicionário, e a que eu considero mais forte. É a esperança, mesmo quando as coisas não fluem bem. Isso explica porque algumas pessoas enfrentam doenças graves e têm uma confiança inabalável.